Pular para o conteúdo

A esperança não deveria, mas venceu o medo

20/01/2009

Jurei que não ia fazer o mesmo. Não ia e(s)coar o que a mídia entoa. Mas, como bem disse Ricardo Kotscho, ninguém imaginaria, há 20 anos atrás que o presidente da América (sic) — eles precisam admitir que América somos todos nós — seria um negro, filho de queniano, de nome Barack Hussein Obama.

Sim, Kotscho, é emblemática ao extremo essa situação. Além do mais, apesar do show que a TV proporciona, o discurso teve nuances de uma sensibilidade indescritível.

— Neste dia, proclamo o fim das queixas mesquinhas e das falsas promessas, das recriminações e dos dogmas desgastados que durante tanto tempo estrangularam nossa política.

Chorei, mulecada. Um quase-velho anarquista viu ruir seus coturnos nessa tarde de terça-feira.

Não é a democracia burguesa que fala. Não é a retórica capitalista mais uma vez abatida pela lógica insustentável que alimenta. Para ser sincero, não é nem Mudança.

Acho que o que pegou foi aquele olhar de garoto do presidente. O sorriso plácido e consciente. Estampando um inabalável “Yes we can”. E não estou falando dos pobres, que cobrem três quartos da nossa imunda humanidade. Não estou falando dos presos de Guantánamo, dos mortos no Iraque.

Eles não podem.

Mas alguma coisa mudou em algum lugar ainda indefinido. Talvez indefinível.

A esperança é mesmo uma merda. Nos faz pateticamente correr os mesmos riscos de sempre. Riscos que não corremos no medo. O medo nos deixa atentos, não perplexos.

Essa contradição pulsa…

obama

A salvação virá do céu e será transmitida ao vivo, em rede nacional

19/01/2009

O teto caiu. Ó céus, é um aviso divino? — Aviso prévio?.

O desabamento do teto da igreja Renascer —  leia-se uma das fábricas de Estevam Hernandes– foi motivo de comentários bem mais desastrosos que o ocorrido. Luto pelas vítimas, desespero pelos sobreviventes que insistem em relacionar o fato à volta de Sir Jesus Cristo da Galiléia — o cavaleiro da benevolência e motivo fundamental e involuntário da discórdia entre o homens.

A retórica costurada pela igreja é simples: quem questiona está possuído pelo demônio. A partir daí é só colher os frutos (furtos?).

O dinheiro que o grupo Renascer arrecadou com a doação de fiéis lhes garantiu uma rede de comunicação bastante complexa, com jornais, rádio e uma emissora de TV. Esta não cobriu o acidente com o teto. Nem disse que o estabelecimento já havia sido lacrado em 99 por problemas no teto (deus?).

Também não falam sobre o dinheiro que o auto-denominado Apóstolo Estevam (falei dele já) carregava num fundo-falso de uma bíblia nos EUA. Ele e sua esposa são acusados no Brasil de lavagem de dinheiro e estão lutando com a justiça (a dos homens) para não serem extraditados. Medo?

Até a Wikipédia foi contaminada pelo limbo do senhor. O termo do Estevam Hernandes está protegido. Mas antes de ser trancado cuidaram pra que so falassem bem do canalha.

Bem, à custa de ao menos oito nove vidas (veja lista), a holding do senhor vai ser posta em xeque novamente. Mas o que surpreende é a militância dos fiéis. Não surpreende pelo tamanho, ser cego é bem mais fácil, mas pela insistência em algo que pula aos olhos e fingem não ver.

Em meio às piadas, algumas críticas. Somos tão vulneráveis, frágeis, que é impossível imaginar que alguém possa dizer que se o tijolo que matou a moça do lado e me errou, o fez por providência divina.

Podia ser um ônibus nos atropelando na avenida paulista. E significaria sinal de deus?

Brincadeira sem graça

15/01/2009

kitchen-copiaFui ao shopping. Coisa que, ultimamente, tenho feito muito, pois trabalho próximo ao shopping Eldorado, na beirinha da Marginal Pinheiros. E hoje inspirei-me a passear pelo shopping.

Encantou-me uma loja imensa de brinquedos, com caixas coloridas, bonecos de pelúcia e pelúcias que parecem de verdade. Entrei pra ver preço e respondi à simpática vendedora que procurava brinquedo para criança de dois anos.

— Menino ou menina?

Responderia tanto faz, apesar de se tratar de uma menina.

— Menina.

Aí percebi o porque da pergunta. Do lado oposto ao que a moça me indicou, ficava o dos meninos. Cheio de armas e guitarras e uma selva de brinquedo pra abrigar o Max Steel.

E passo a passo eu me afundava numa bolha cor de rosa, com bonecas que trocam de roupa e cozinhas ultra-equipadas, pôneis e miniaturas da Xuxa. Um mundo perfeito de glitter e fantasia para ajudar a povoar o mundo de mulheres imbecilizadas, submissas e sem personalidade.

Já os meninos não. Eles serão fortes, saberão manipular armas, carros, jet-sky; eles tocarão guitarras e farão das mulhers — as cor-de-rosa— mais um de seus brinquedos. Nada que não seja provado por uma miniautura de família, do lado dos meninos, onde o pai tem uma maleta tipo executivo e a mãe uma colher de pau.

Estruturas centenárias, milenares, reproduzidas e encontrando eco numa loja onde o lúdico assenta as camadas da personalidades dos pequenos humanos. Uma brincadeira irresponsável, no mínimo.

Os bonecos dos Simpsons, pasmem, estavam do lado dos meninos.

Antes fossem brinquedos como esses e esses.

Tinha cheiro de gasolina

13/01/2009

O cara tinha 10 paus na agulha. Foi a conta pra se livrar da cana. Ninguém vai confirmar se o gerente do posto Transamérica, na zona sul de São Paulo, cumpria ordens do dono ou se usou a estratégia pra ganhar moral.

O fato é que gasolina mesmo era só pra dar um cheirinho, por que nem cor tinha. A ANP achou combustível saindo da bomba de gasolina com 95% de álcool, branquinho branquinho. Os donos do posto Transamérica já receberam essa visita quatro vezes. Bombas lacradas, mas em poucas semanas um novo laudo do produto sai e o posto reabre.

O fiscal da ANP lamenta o tempo que demora pra que o proprietário perca o registro. Tem que transitar em julgado e aí já viu. Além das quatro vezes nesse posto da avenida Guido Caloi, a ANP já grampeou outro posto do mesmo dono. O cara já é cansado disso.

gasolina

Árvore de Natal fora de época e lugar

12/01/2009

9gaza4_ap_111074a

O Jornal inglês The Independent trouxe uma série de fotos do conflito na faixa de Gaza. Do lado de Israel foram 14 mortes. Os palestinos contabilizaram, nestes 17 dias de confronto, 905 mortes. A cada três mortos entre palestinos um é criança.

Em tempo: agora o foco dos ataques de Israel são as casas dos líderes do Hamas. Os reservistas, agora, foram convocados.

Pero que las hay, las hay

08/01/2009

No princípio criou deus Jerusalém, uma cidadezinha que cabe quase quatro vezes na cidade de Socorro, interior de São Paulo. E viu que era bom.

Todo mundo então passou a querê-la e brigar por isso, mas ninguém atentou a um pequeno fato: cadê esse deus que cria e pune?

Pois bem, um tempo depois, na Inglaterra — um paisinho que cabe quase quatro vezes na cidade de Socorro, interior de São Paulo — um site cristão (quer dizer, um fã clube do filho de deus) colocou uma propaganda nos ônibus da cidade.

— Aos incréus, a eternidade na tormenta do inferno.

Foi a gota. Começou-se, pois, uma campanha em ônibus de vários países do mundo (como na foto, na Inglaterra):

07london-inline1-650

— Provavelmente não há Deus. Agora pare de se preocupar e aproveite sua vida.

A explicação era simples: com que direito eles espalham o terror?

— Era como se eu dissesse que os gomos de uma laranja não eram laranja, mas plástico. Não coma-os ou morrerão! — protestou Ariane Sherine, que não era protestante.

Ela se incomodou, pois espalhavam o medo com algo que sequer podiam provar. E tão logo percebeu que ela e todos seus amigos estavam fadados ao inferno, não quis nem saber.

É mesmo, com que direito?

(vi no Pedro Doria)

Maria e os nossos pacotes

08/01/2009
Foto do jornal Bom Dia

Carlota, em foto do jornal Bom Dia

Morreu nesta terça-feira (6), aos 84 anos, Carlota Edith Barbieri. Era conhecida como a Maria dos Pacotes, personagem urbano que povoou as histórias da cidade de Jundiaí em meados da década de 60.

Passou os últimos anos numa pensão no centro da cidade. Carlota não chegou a se casar, andava sempre com o jornal que trazia o edital da cerimônia eternamente adiada.

O editor do Jornal Bom Dia, Edu Cerioni, foi impecável no texto publicado nesta quinta (8).

Edu Cerioni

Mito na cidade, morre Maria dos Pacotes

Carlota Edith Barbieri adotou um estilo de vida que assustava muita gente

Jundiaí perdeu Carlota Edith Barbieri. Foi enterrada terça-feira uma cansada mulher de 84 anos, que vivia na cama há quase uma década, vítima de atropelamento. Foi-se a idosa frágil e de brilhantes olhos azuis. Ficou o mito eternizado no apelido Maria dos Pacotes.

Qualquer jundiaiense na faixa dos 40 anos lembra daquela pedinte que vivia pelas ruas carregando tudo o que ganhava. Tudo mesmo. De um bife frito a roupas, ela embrulhava qualquer coisa que passasse por suas mãos e arrastava até sua casa. Onde? Isso ninguém sabia dizer.

Nos últimos anos, Maria dos Pacotes vivia em uma pensão no Centro, onde morreu. Sob o colchão, o velho jornal da década de 60 que exibia o edital de seu casamento nunca realizado.

Diz a lenda que Carlota se tornou Maria dos Pacotes no final dos anos 60, ao ser abandonada no altar. Os pacotes representariam os presentes que o casal havia recebido e que ninguém sabe o paradeiro.

Ela adotou um estilo de vida que assustava muita gente. E era uma mulher brava, que não levava desaforo sem dar o troco. “Uma vez ela correu atrás da minha irmã até em casa e, lá, jogou um monte de coisas na porta, xingando muito”, recorda o mecânico Ronaldo Damásio, 45. “Todo mundo tinha medo dela.”

José Renato Forner na peça Maria e os pacotes

José Renato Forner na peça Maria e os pacotes

Em 2007, o ator José Renato Forner interpretou-a como personagem na peça “Maria e os pacotes”, de Marcos César Duarte e direção de Mário Rebouças. O texto faz uma metáfora com os pacotes que a andarilha carregava e mostra o quanto foi emblemática a atitude de empacotar os sonhos, as frustrações e os desejos.

A história de Carlota se parece com aquelas da ficção, cheias de sentidos e entrelinhas, que nos colocam diante de nós mesmos entre as perguntas mais óbvias e as mais complexas.

— O que carrego nos meus pacotes?

— Qual história estará sob meu colchão no dia da minha morte?

Retranca da matéria do Bom Dia disponivel na versão impressa

Retranca da matéria do Bom Dia disponível na versão impressa